Edson Silva Marques

Site pessoal

Como Criar uma Web API Utilizando Blazor Server

 Embora existam muitos tutorias mostrando como acessar uma WEBAPI usando o Blazor,

 neste vídeo, você aprenderá passo a passo como criar sua própria Web API com o Blazor Server.

 Vamos abordar desde a configuração inicial do projeto até a implementação de endpoints para manipulação de dados.

 Este tutorial é ideal para desenvolvedores que desejam integrar funcionalidades de API em suas aplicações Blazor Server.

Comunicação interprocessos

Playlist mostrando como fazer comunicação entre processos no windows.

Macro util do Excel – Instalação

Para instalar as macros, faça o download e siga as instruções do vídeo abaixo:

Macro Util do Excel

Neste video é mostrada as funcionalidades principais das macros:

Apresentamos a extensão perfeita para aumentar sua produtividade e eficiência no Excel – a macro UTILS permite o gerenciamento de dados, arquivos e integração com arquivos do Word! Com essa extensão, você terá acesso a uma ampla gama de recursos poderosos para manipular dados e gerenciar arquivos diretamente no Excel. Você pode inserir dados do excell fácilmente em arquivos do Word, gerenciar arquivos existentes em seu disco, importar e exportar dados com facilidade e muito mais! Com esta extensão, você pode criar facilmente cartas comercias padronizadas do Word, e inserir nelas os dados do Excell, sem precisar alternar entre aplicativos. Você também pode gerenciar facilmente seus arquivos e pastas do disco, incluindo copiar, renomear, bem como visualizar as propriedades do arquivo. Tornando seu disco mais ordenado. Com nossa poderosa ferramenta de manipulação de dados, você pode facilmente filtrar, classificar e formatar seus dados para obter uma visualização clara e fácil de entender. E com a capacidade de importar e exportar dados em vários formatos, você pode integrar facilmente seus dados com outras ferramentas e aplicativos. Não perca mais tempo alternando entre aplicativos e gerenciando arquivos manualmente. Com nossa extensão, você pode fazer tudo diretamente do Excel! Experimente agora e veja como nossa extensão pode ajudar a aumentar sua produtividade e eficiência no trabalho.

The stairs degree

An old lady stayed in the last degree of the stairs.

Walking slowly, with his feet near the ground as the ground should run away under his feet.

I look down stairs and imagine his first steps.

A baby step.

tottery, insecure like a new soul in the party of life.

with fear she climbs the first degree.

Now, she is more conscious,

not only about her condition but also about his possibilities.

and fast try the second step climbing more one.

fast because she can’t be fear petrified.

The next degrees occurs as consequence of previous.

And her childhood flow river down in a paper boat.

sudeley the stream changes and everything flows fast,

she can everything and everything does.

She dances in the stairs degrees.

Is the youngfull age that comes.

But the stairs. The stairs have so many degrees.

And the degrees. The degrees appear one over another, so monotonous!

The stair looks like a bloured star.

Adult ages run as a ethern reminding of something missed.

And the life bills the bill, every degree climbed as his cost.

The breath fails more, each degree becomes more height.

But the fire burns in the breast, shouting out don’t stop!

Now I can see her here. 

with a lot of degree wined with strong effort and persistence.

As anybody else in this world.

Memories of a time that never happened.

The moon rises from the sea like a balloon.

the sand flows on my hands, warm and at the same time, as cold as the “Time” flows to the ocean like a river.

sometimes the reality and the dreams meld into something indescribable.

But at the end, everything is just a picture on my screen.

Just a memory in this time of the pandemic that never happened.

Os sete saberes necessários à educação do futuro (Edgar Morin)

Os sete saberes necessáriosà educação do futuro.
Edgar Morin.
 
Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa
educativo, escolar ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no
secundário, nem no ensino universitário, mas abordam problemas específicos para cada um
desses níveis. Eles dizem respeito aos setes buracos negros da educação, completamente
ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Programas esses que,
na minha opinião, devem ser colocados no centro das preocupações sobre a formação dos
jovens, futuros cidadãos.
O Conhecimento.
O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino
fornece conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de sua fundamental importância,
nunca se ensina o que é, de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas
neste caso são o erro e a ilusão.
Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e
ilusões. Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e
nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o
conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma
tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção, através do qual
os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados, transportados
a um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do cérebro para,
enfim, transformar aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo,
podemos concluir que a percepção é uma reconstrução.
Tomemos um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista
da retina. As pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que estão
mais distantes, pois à distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma
dimensão idêntica para todas as pessoas. Assim como os raios ultravioletas e
infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que estão aí e nos impõem uma visão
segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções
da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os italianos
“tradotore/traditore”.
Também sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e
uma alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César,
não há nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos.
São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero dizer com isso que
estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos de leitura isto acontece.
Nós sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos olhos
saltam de uma palavra para outra e reconstrói o conjunto de uma maneira quase
alucinatória. Neste momento, é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não
reconhecemos os erros porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando
há um acidente de carro. As versões e as visões do acidente são completamente diferentes,
principalmente pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em ângulos diferentes.
No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos.
Tomemos um exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra
Mundial. Uma época em que a França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes,
potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente, eram contrários à guerra que se
anunciava. Mas, a partir do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se
lançaram, massivamente a uma campanha de propaganda, cada um imputando ao outro os
atos mais ignóbeis. Isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos
trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um prefere
camuflar a parte que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro.
Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as
traduções e as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é
pensar que a idéia é a realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa com o
terreno.
Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um
pensa que suas idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas.
Aquelas que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas
como um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não ocorre somente no
domínio das grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências.
Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido
desoxirribonucléico), surpreenderam e escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais
imaginavam que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito
tempo para que essas idéias pudessem ser aceitas.
Na realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo
que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: “Os
fatos são teimosos, mas, na realidade, as idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e
resistem aos fatos durante muito tempo”. Portanto, o problema do conhecimento não deve
ser um problema restrito aos filósofos. É um problema de todos e cada um deve levá-lo em
conta desde muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter condições de ver a
realidade, porque não existe receita milagrosa.
O Conhecimento Pertinente.
O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento
pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em
primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas
de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. O que existe
entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas isto não
significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma
visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de
informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar sozinhas um conhecimento
pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto.
A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem
um poder muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões, porque está ensinando de
modo a privilegiar o cálculo. Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o
sentimento, a paixão, o desejo, o temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando
as ações despencam, aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, e que,
freqüentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, ligando-se,
assim, à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional e o
econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário contextualizar
todos os dados.
Se não houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e
geográficos, cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma
região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou Serra Leoa, não entenderemos nada.
Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que
o espírito tem de contextualizar. E é essa capacidade que deve ser estimulada e
desenvolvida pelo ensino, a de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no
século XVII: “Não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo
sem conhecer as partes”.
O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto. E o
conhecimento, atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão
sobre o conjunto e as ações do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado
depois da guerra do Iraque, da guerra da Iugoslávia e, atualmente, pode ser verificado com
o conflito do Oriente Médio.
A Identidade Humana.
O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja
completamente ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos
do homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a
realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de
uma espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de uma sociedade, temos a
sociedade como parte de nós, pois desde o nosso nascimento a cultura se nos imprime. Nós
somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos
recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a
espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade
divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é
trinitária.
Eu acredito possível a convergência entre todas as ciências e a identidade humana.
Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência. É
necessário reconhecer que na segunda metade do século XX, houve uma revolução
científica, reagrupando as disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a
cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a pré-história.
Tome-se como exemplo a cosmologia, que, efetivamente, utiliza a microfísica, os
aceleradores de partículas para imaginar os primeiros segundos do universo. Ela utiliza a
observação e pratica uma reflexão filosófica sobre o mundo, assim como fizeram Hubert
Reeves, Hawkins, Michel Cassé e tantos outros. Eles refletem sobre o universo incrível no
qual vivemos. Mas o que é importante para a identidade humana é saber que estamos neste
minúsculo planeta perdidos no cosmos. Nossa missão não é mais a de conquistar o mundo
como acreditava Descartes, Bacon e Marx. Nossa missão se transformou em civilizar o
pequeno planeta em que vivemos.
Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta formado por
fragmentos cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como
estes fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal organização, uma auto-organização, para nos dar este planeta. É necessário mostrar que ele gerou a vida, e a nós
somos, filhos da vida.
A biologia, com a teoria da evolução, nos prova como trazemos dentro de nós,
efetivamente, o processo de desenvolvimento da primeira célula vivente, que se
multiplicou e se diversificou.
Quando sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que
nasceram no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis
anteriores ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em
moléculas e neuromoléculas na terra. Somos todos filhos do cosmos, mas nos
transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de nossa cultura.
Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos,
mas como indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo
sapiens,à qual pertencemos. E o importante é que somos uma parte da sociedade, uma
parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só
vive com essas interações.
È importante, também, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano é
múltiplo, ele é parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade
humana. Portanto, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas
e dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a unidade do ser
humano.
Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire
disse: “Os chineses são iguais a nós, têm paixões, choram”. E Herbart, o pensador alemão,
afirmou: “Entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes”. Os dois
tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que ser articuladas. Nós temos os
elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa
diversidade.
È preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da
educação, são inatos, mas modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma
observação sobre uma jovem surda-muda de nascença que ria, chorava e sorria.
Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez
porque não saiba o que o espera depois… Mas isso nos permite entender a nossa realidade,
nossa diversidade e singularidade.
Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia. Elas não devem ser
consideradas como secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma
escola de vida e um meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem
categorias e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao
contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o
histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária.
Podemos dizer que as telenovelas tambémnos falam sobre problemas fundamentais
do homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender
que todos esses elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida
somente nas ciências formais. E a literatura tem a vantagem de refletir sobre a
complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível de seus sonhos. Como James
Joyce, por exemplo, que, ao criar um personagem, mostrava que uma pessoa pode ter
sentimentos totalmente diversos. Ou como o herói de Dostoievski, em O Idiotaque não
sabe se a jovem está apaixonada por ele e ao fim da trama, depois de ter sofrido muito,
encontra um amigo que lhe diz: “mas que imbecil você é, não entendeu que ela o ama”.
Isto pode acontecer com qualquer pessoa, é a dificuldade de saber o que o outro pensa e
sente.
Marcel Proust mostrou, em Um amor de Swan, o que ele chamava de intermitências
do coração, ou seja, que uma pessoa pode se apaixonar, esquecer-se da pessoa desejada e
voltar a amá-la. Neste romance o herói sofre durante anos de ciúmes por causa de uma
mulher e quando ele já não está mais apaixonado, diz: “mas eu sofri tanto por uma mulher
que não me amava e que nem era meu tipo”.
Podemos, então, compreender a complexidade humana através da literatura. A
poesia nos ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de
fatos da realidade. Como, por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é
tão bonito. A vida não deve ser uma prosa que se faça por obrigação. A vida é viver
poeticamente na paixão, no entusiasmo.
Para que isso aconteça, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas
para a identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o
homem racional e fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o
delírio e o equilíbrio, nesse mundo de paixões em que o amor é o cúmulo da loucura e da
sabedoria.
O homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as
crianças, como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol.
Nós somos Homo ludens,além de Homo economicus.Não vivemos só em função do
interesse econômico. Há, também, o homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos
e crenças.
Enfim o homem é prosaico e poético. Como dizia Hölderling: “O homem habita
poeticamente na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não
poderíamos desfrutar da poesia”.
A Compreensão Humana.
O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre como
compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos
pais. O que significa compreender?
A palavra compreender vem do latim, compreendere, que quer dizer: colocar junto
todos os elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação,
mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela
comporta uma parte de empatia e identificação. O que faz com que se compreenda alguém
que chora, por exemplo, não é analisar as lágrimas no microscópio, mas saber o significado
da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a compaixão, que significa sofrer
junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana.
A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná-la. Na
realidade, isto está se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior.
Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de
responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que,
consequentemente, alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo.
A raiva leva à vontade de eliminar o outro e tudo aquilo que possa aborrecer. De
certa maneira, isto favorece ao que os ingleses chamam de self-deception, isto é, mentir a si
mesmo, pois o egocentrismo vai tramando sempre o negativo e esquecendo dos outros
elementos.
A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade
humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a
indiferença. E, por este lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto
acusam de alienante. Na verdade, o cinema é uma arte que nos ensina a superar a
indiferença, pois transforma em heróis os invisíveis sociais, ensinando-nos a vê-los por um
outro prisma. Charlie Chaplin, por exemplo,sensibilizou platéias inteiras com o
personagem do vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os chefes da Máfia
com “O Chefão”. No teatro, temos a complexidade dos personagens de Shakspeare: reis,
gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito:
“Despertados, eles dormem”. Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da
realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor.
Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si
mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo
está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre
os seres humanos.
A Incerteza.
O quinto aspecto é a incerteza. Apesar de, nas escolas, ensinar-se somente as
certezas, como a gravitação de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem
abandonado determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e
incerteza, da micro-física às ciências humanas. É necessário mostrar em todos os domínios,
sobretudo na história, o surgimento do inesperado. Eurípides dizia no fim de três de suas
tragédias que: “os deuses nos causam grandes surpresas, não é o esperado que chega e sim
o inesperado que nos acontece”. É a velha idéia de 2.500 anos, que nós esquecemos
sempre.
As ciências mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem
mais prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações
que nos levam à desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas teorias
sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de Born. Analisando
retroativamente a história da vida, constata-se que ela não foi linear, que não teve uma
evolução de baixo para cima. A evolução segundo Darwin foi uma evolução composta de
ramificações, a exemplo do mundo vegetal e o mundo animal.
O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à
inteligência, mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história
da vida foi, na verdade, marcada por catástrofes.
No fim da era secundária, a queda do asteróide que matou os dinossauros e
ressecou a vegetação desses animais enormes, matando-os de fome deu oportunidade à
proliferação dos mamíferos. Assim também ocorreu com as sociedades humanas. Todas
sofreram o colapso por uma razão ou outra. Nem mesmo o império romano, que parecia
eterno, conseguiu sobreviver. As sociedades andinas, que eram mais potentes que seus
colonizadores espanhóis e cujas capitais eram muita mais ricas que Paris, Madri ou Lisboa,
foram destruídas por espanhóis que chegaram com cavalos e armas desconhecidas.
As duas guerras mundiais destruíram muito na metade do século XX, depois da
Primeira Guerra Mundial. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romano-otomano, o austro-húngaro e o soviético, desapareceram.
Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a
atitude que se toma quando uma ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções
daquele que a provocou, desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para
o sentido oposto ao intencionado.
A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no
final do século XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o sistema
político da União Soviética, mas acabouprovocando o começo de sua própria
desagregação e implosão.
Assim tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e
acontecerá, porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões
não foram concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os espíritos, portanto, têm
que ser fortes e armados para enfrentarem essa incerteza e não se desencorajarem.
Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas
o imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se conhece
o destino da aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras decisões
devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser
corrigidas no processo da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem.
A Condição Planetária.
O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no
século XX – que começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a
interligação de toda a humanidade. Esse fenômeno que estamos vivendo hoje, em que tudo
está conectado, é um outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e
seus problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não conseguimos
processar e organizar.
Este ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para
todos os seres humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a
ameaça nuclear, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma
tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu ainda a
nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a construção de uma consciência
planetária.
Conhecer o nosso planeta é difícil: os processos de todas as ordens – econômicos,
ideológicos e sociais – estão de tal maneira imbricados e são tão complexos, que
compreendê-los é um verdadeiro desafio para o conhecimento. Ortega y Gasset dizia: “não
sabemos o que acontece, isto é o que acontece”.
É necessária uma certa distância em relação ao imediato para podermos
compreendê-lo. E, atualmente, dada a aceleração e a complexidade do mundo, é quase
impossível. Mas, faz-se necessário ressaltar, é esta a dificuldade. É necessário ensinar que
não é suficiente reduzir a um só a complexidade dos problemas importantes do planeta,
como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atômica, ou a ecologia. Os
problemas estão todos amarrados uns aos outros.
Daqui para frente, existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a
humanidade, como a ameaça da arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o
desencadeamento dos nacionalismos acentuadospelas religiões. É preciso mostrar que a
humanidade vive agora uma comunidade de destino comum.
A Antropo-ética.
O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da
moral e da ética diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto
individual, outro social e outro genético, diria de espécie. Algo como uma trindade em que
as terminações são ligadas: a antropo-ética. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo
tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de
desenvolver a participação social (as responsabilidades sociais), ou seja, a nossa
participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum.
A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia,
porque a democracia permite uma relação indivíduo-sociedade e nela o cidadão deve se
sentir solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas
responsabilidades através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder
circule, de forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar.
Porque a democracia é, por princípio, um exercício de controle.
Não existe, evidentemente, democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas
sabemos que vivemos em uma época de regressão democrática, pois o poder tecnológico
agrava cada vez mais os problemas econômicos. Na verdade, o é importante orientar e
guiar essa tomada de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo possa
exercer sua responsabilidade.
Por outro lado, a ética do ser humano está se desenvolvendo através das associações
não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança pelo
Mundo Solidário e tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, políticas ou
de Estados nacionais, assistindo aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em
graves conflitos. Devemos conscientizar a todos sobre essas causas tão importantes, pois
estamos falando do destino da humanidade.
Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira
pátria? Estes são os sete saberes necessários ao ensino. E não digo isso para modificar
programas. Na minha opinião, não temos que destruir disciplinas, mas sim integrá-las,
reuni-las em uma ciência como, por exemplo, as ciências da terra (a sismologia, a
vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma concepção sistêmica da terra.
Penso que tudo deva estar integrado para permitir uma mudança de pensamento;
para que se transforme a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão
total da realidade. Essa visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam
invisíveis para muitos, principalmente para muitos governantes.
E hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, começa a se
desenvolver uma ética do gênero humano, para que possamos superar esse estado de caos e

 

começar, talvez, a civilizar a terra.

 

Lógica & Falácias

Fonte: http://ateus.net/artigos/ceticismo/logica-e-falacias/

Lógica & Falácias

Matthew

Introdução

Há muito debate na Internet; infelizmente, grande parte dele possui péssima qualidade. O objetivo deste documento é explicar os fundamentos da argumentação lógica e possivelmente melhorar o nível dos debates em geral.

O Dicionário de Inglês conciso de Oxford (Concise Oxford English Dictionary) define lógica como “a ciência da argumentação, prova, reflexão ou inferência”. Ela lhe permitirá analisar um argumento ou raciocínio e deliberar sobre sua veracidade. A lógica não é um pressuposto para a argumentação, é claro; mas conhecendo-a, mesmo que superficialmente, torna-se mais fácil evidenciar argumentos inválidos.

Há muitos tipos de lógica, como a difusa e a construtiva; elas possuem diferentes regras, vantagens e desvantagens. Este documento discute apenas a Booleana simples, pois é largamente conhecida e de compreensão relativamente fácil. Quando indivíduos falam sobre algo ser “lógico”, geralmente se referem à lógica que será tratada aqui.

O que a lógica não é

Vale fazer alguns comentários sobre o que a lógica não é.

Primeiro: a lógica não é uma lei absoluta que governa o universo. Muitas pessoas, no passado, concluíram que se algo era logicamente impossível (dada a ciência da época), então seria literalmente impossível. Acreditava-se também que a geometria euclidiana era uma lei universal; afinal, era logicamente consistente. Mas sabemos que tais regras geométricas não são universais.

Segundo: a lógica não é um conjunto de regras que governa o comportamento humano. Pessoas podem possuir objetivos logicamente conflitantes. Por exemplo:

  • John quer falar com quem está no encargo.
  • A pessoa no encargo é Steve.
  • Logo, John quer falar com Steve.

Infelizmente, pode ser que John também deseje, por outros motivos, evitar contato com Steve, tornando seu objetivo conflitante. Isso significa que a resposta lógica nem sempre é viável.

Este documento apenas explica como utilizar a lógica; decidir se ela é a ferramenta correta para a situação fica por conta de cada um. Há outros métodos para comunicação, discussão e debate.

Argumentos

Um argumento é, segundo Monthy Phyton Sketch, “uma série concatenada de afirmações com o fim de estabelecer uma proposição definida”.

Existem vários tipos de argumento; iremos discutir os chamados dedutivos. Esses são geralmente vistos como os mais precisos e persuasivos, provando categoricamente suas conclusões; podem ser válidos ou inválidos.

Argumentos dedutivos possuem três estágios: premissas, inferência e conclusão. Entretanto, antes de discutir tais estágios detalhadamente, precisamos examinar os alicerces de um argumento dedutivo: proposições.

Proposições

Uma proposição é uma afirmação que pode ser verdadeira ou falsa. Ela é o significado da afirmação, não um arranjo preciso das palavras para transmitir esse significado.

Por exemplo, “Existe um número primo par maior que dois” é uma proposição (no caso, uma falsa). “Um número primo par maior que dois existe” é a mesma proposição expressa de modo diferente.

Infelizmente, é muito fácil mudar acidentalmente o significado das palavras apenas reorganizando-as. A dicção da proposição deve ser considerada como algo significante.

É possível utilizar a linguística formal para analisar e reformular uma afirmação sem alterar o significado; entretanto, este documento não pretende tratar de tal assunto.

Premissas

Argumentos dedutivos sempre requerem um certo número de “assunções-base”. São as chamadas premissas; é a partir delas que os argumentos são construídos; ou, dizendo de outro modo, são as razões para se aceitar o argumento. Entretanto, algo que é uma premissa no contexto de um argumento em particular, pode ser a conclusão de outro, por exemplo.

As premissas do argumento sempre devem ser explicitadas, esse é o princípio do audiatur et altera pars*. A omissão das premissas é comumente encarada como algo suspeito, e provavelmente reduzirá as chances de aceitação do argumento.

A apresentação das premissas de um argumento geralmente é precedida pelas palavras “Admitindo que.“, “que.“, “Obviamente se.” e “Porque.“. É imprescindível que seu oponente concorde com suas premissas antes de proceder com a argumentação.

Usar a palavra “obviamente” pode gerar desconfiança. Ela ocasionalmente faz algumas pessoas aceitarem afirmações falsas em vez de admitir que não entendem por que algo é “óbvio”. Não hesite em questionar afirmações supostamente “óbvias”.

* Expressão latina que significa “a parte contrária deve ser ouvida”.

Inferência

Umas vez que haja concordância sobre as premissas, o argumento procede passo a passo através do processo chamado inferência.

Na inferência, parte-se de uma ou mais proposições aceitas (premissas) para chegar a outras novas. Se a inferência for válida, a nova proposição também deve ser aceita. Posteriormente essa proposição poderá ser empregada em novas inferências.

Assim, inicialmente, apenas podemos inferir algo a partir das premissas do argumento; ao longo da argumentação, entretanto, o número de afirmações que podem ser utilizadas aumenta.

Há vários tipos de inferência válidos, mas também alguns inválidos, os quais serão analisados neste documento. O processo de inferência é comumente identificado pelas frases “consequentemente.” ou “isso implica que.“.

Conclusão

Finalmente se chegará a uma proposição que consiste na conclusão, ou seja, no que se está tentando provar. Ela é o resultado final do processo de inferência, e só pode ser classificada como conclusão no contexto de um argumento em particular.

A conclusão se respalda nas premissas e é inferida a partir delas. Esse é um processo sutil que merece explicação mais aprofundada.

A implicação em detalhes

Evidentemente, pode-se construir um argumento válido a partir de premissas verdadeiras, chegando a uma conclusão também verdadeira. Mas também é possível construir argumentos válidos a partir de premissas falsas, chegando a conclusões falsas.

O “pega” é que podemos partir de premissas falsas, proceder através de uma inferência válida, e chegar a uma conclusão verdadeira. Por exemplo:

  • Premissa: Todos peixes vivem no oceano.
  • Premissa: Lontras são peixes.
  • Conclusão: Logo, lontras vivem no oceano.

Há, no entanto, uma coisa que não pode ser feita: partir de premissas verdadeiras, inferir de modo correto, e chegar a uma conclusão falsa.

Podemos resumir esses resultados numa tabela de “regras de implicação”. O símbolo ” implica ” denota implicação; “A” é a premissa, “B” é a conclusão.

Regras de implicação
Premissa Conclusão Inferência
A B A implica B
Falsa Falsa Válida
Falsa Verdadeira Válida
Verdadeira Falsa Inválida
Verdadeira Verdadeira Válida
  • Se as premissas são falsas e a inferência válida, a conclusão pode ser verdadeira ou falsa (linhas 1 e 2).
  • Se a premissa é verdadeira e a conclusão falsa, a inferência é inválida (linha 3).
  • Se as premissas e inferência são válidas, a conclusão é verdadeira (linha 4).

Desse modo, o fato de um argumento ser válido não significa necessariamente que sua conclusão é verdadeira, pois pode ter partido de premissas falsas.

Um argumento válido que foi derivado de premissas verdadeiras é chamado “argumento consistente”. Esses obrigatoriamente chegam a conclusões verdadeiras.

Exemplo de argumento

A seguir está exemplificado um argumento válido, mas que pode ou não ser “consistente”.

  • 1 – Premissa: Todo evento tem uma causa.
  • 2 – Premissa: O Universo teve um começo.
  • 3 – Premissa: Começar envolve um evento.
  • 4 – Inferência: Isso implica que o começo do Universo envolveu um evento.
  • 5 – Inferência: Logo, o começo do Universo teve uma causa.
  • 6 – Conclusão: O Universo teve uma causa.

A proposição da linha 4 foi inferida das linhas 2 e 3. A linha 1, então, é usada em conjunto com proposição 4, para inferir uma nova proposição (linha 5). O resultado dessa inferência é reafirmado (numa forma levemente simplificada) como sendo a conclusão.

Reconhecendo argumentos

O reconhecimento de argumentos é mais difícil que das premissas ou conclusão. Muitas pessoas abarrotam textos de asserções sem sequer produzir algo que possa ser chamado argumento.

Algumas vezes os argumentos não seguem os padrões descritos acima. Por exemplo, alguém pode dizer quais são suas conclusões e depois justificá-las. Isso é válido, mas pode ser um pouco confuso.

Para piorar a situação, algumas afirmações parecem argumentos, mas não são. Por exemplo: “Se a Bíblia é verdadeira, Jesus ou foi um louco, um mentiroso, ou o Filho de Deus”.

Isso não é um argumento; é uma afirmação condicional. Não explicita as premissas necessárias para embasar as conclusões, sem mencionar que possui outras falhas *(Nota 1).

Um argumento não equivale a uma explicação. Suponha que, tentando provar que Albert Einstein acreditava em Deus, disséssemos: “Einstein afirmou que ‘Deus não joga dados’ porque cria em Deus”.

Isso pode parecer um argumento relevante, mas não é; trata-se de uma explicação da afirmação de Einstein. Para perceber isso, lembre-se que uma afirmação da forma “X porque Y” pode ser reescrita na forma “Y logo X”. O que resultaria em: “Einstein cria em Deus, por isso afirmou que ‘Deus não joga dados'”.

Agora fica claro que a afirmação, que parecia um argumento, está admitindo a conclusão que deveria estar provando.

Ademais, Einstein não cria num Deus pessoal preocupado com assuntos humanos *(Nota 2).

Leitura complementar

Esboçamos a estrutura de um argumento “consistente” dedutivo desde premissas até a conclusão; contudo, em última análise, a conclusão só pode ser tão persuasiva quanto as premissas utilizadas. A lógica em si não resolve o problema da verificação das premissas; para isso outra ferramenta é necessária.

O método de investigação preponderante é o científico. No entanto, a filosofia da ciência e o método científico são assuntos extremamente extensos e explicá-los está muito além das pretensões deste documento.

Recomenda-se a leitura de livros específicos sobre o assunto para uma compreensão mais abrangente.

Falácias

Há um certo número de “armadilhas” a serem evitadas quando se está construindo um argumento dedutivo; elas são conhecidas como falácias. Na linguagem do dia-a-dia, nós denominamos muitas crenças equivocadas como falácias, mas, na lógica, o termo possui significado mais específico: falácia é uma falha técnica que torna o argumento inconsistente ou inválido.

(Além da consistência do argumento, também se podem criticar as intenções por detrás da argumentação.)

Argumentos contentores de falácias são denominados falaciosos. Frequentemente parecem válidos e convincentes; às vezes, apenas uma análise pormenorizada é capaz de revelar a falha lógica.

A seguir está uma lista de algumas das falácias mais comuns e determinadas técnicas retóricas bastante utilizadas em debates. A intenção não foi criar uma lista exaustivamente grande, mas apenas ajuda-lo a reconhecer algumas das falácias mais comuns, evitando, assim, ser enganado por elas.

Acentuação / Ênfase

A falácia a Acentuação funciona através de uma mudança no significado. Neste caso, o significado é alterado enfatizando diferentes partes da afirmação. Por exemplo:

“Não devemos falar mal de nossos amigos”

“Não devemos falar mal de nossos amigos

Seja particularmente cauteloso com esse tipo de falácia na internet, onde é fácil interpretar mal o sentido do que está escrito.

Ad Hoc

Como mencionado acima, argumentar e explicar são coisas diferentes. Se estivermos interessados em demonstrar A, e B é oferecido como evidência, a afirmação “A porque B” é um argumento. Se estivermos tentando demonstrar a veracidade de B, então “A porque B” não é um argumento, mas uma explicação.

A falácia Ad Hoc é explicar um fato após ter ocorrido, mas sem que essa explicação seja aplicável a outras situações. Frequentemente a falácia Ad Hoc vem mascarada de argumento. Por exemplo, se admitirmos que Deus trata as pessoas igualmente, então esta seria uma explicação Ad Hoc:

“Eu fui curado de câncer”

“Agradeça a Deus, pois ele lhe curou”

“Então ele vai curar todas pessoas que têm câncer?”

“Hmm. talvez. os desígnios de Deus são misteriosos.”

Afirmação do Consequente

Essa falácia é um argumento na forma “A implica B, B é verdade, logo A é verdade”. Para entender por que isso é uma falácia, examine a tabela (acima) com as Regras de Implicação. Aqui está um exemplo:

“Se o universo tivesse sido criado por um ser sobrenatural, haveria ordem e organização em todo lugar. E nós vemos ordem, e não esporadicidade; então é óbvio que o universo teve um criador.”

Esse argumento é o contrario da Negação do Antecedente.

Anfibolia

A Anfibolia ocorre quando as premissas usadas num argumento são ambíguas devido a negligência ou imprecisão gramatical. Por exemplo:

“Premissa: A crença em Deus preenche um vazio muito necessário.”

Evidência Anedótica

Uma das falácias mais simples é dar crédito a uma Evidência Anedótica. Por exemplo:

“Há abundantes provas da existência de Deus; ele ainda faz milagres. Semana passada eu li sobre uma garota que estava morrendo de câncer, então sua família inteira foi para uma igreja e rezou, e ela foi curada.”

É bastante válido usar experiências pessoais como ilustração; contudo, essas anedotas não provam nada a ninguém. Um amigo seu pode dizer que encontrou Elvis Presley no supermercado, mas aqueles que não tiveram a mesma experiência exigirão mais do que o testemunho de seu amigo para serem convencidos.

Evidências Anedóticas podem parecer muito convincentes, especialmente queremos acreditar nelas.

Argumentum ad Antiquitatem

Essa é a falácia de afirmar que algo é verdadeiro ou bom só porque é antigo ou “sempre foi assim”. A falácia oposta é a Argumentum ad Novitatem.

“Cristãos acreditam em Jesus há milhares de anos. Se o Cristianismo não fosse verdadeiro, não teria perdurado tanto tempo”

Argumentum ad Baculum / Apelo à Força

Acontece quando alguém recorre à força (ou à ameaça) para tentar induzir outros a aceitarem uma conclusão. Essa falácia é frequentemente utilizada por políticos, e pode ser sumarizada na expressão “o poder define os direitos”. A ameaça não precisa vir diretamente da pessoa que argumenta. Por exemplo:

“.assim, há amplas provas da veracidade da Bíblia, e todos que não aceitarem essa verdade queimarão no Inferno.”

“.em todo caso, sei seu telefone e endereço; já mencionei que possuo licença para portar armas?”

Argumentum ad Crumenam

É a falácia de acreditar que dinheiro é o critério da verdade; que indivíduos ricos têm mais chances de estarem certos. Trata-se do oposto ao Argumentum ad Lazarum. Exemplo:

“A Microsoft é indubitavelmente superior; por que outro motivo Bill Gates seria tão rico?”

Argumentum ad Hominen

Argumentum ad Hominem literalmente significa “argumento direcionado ao homem”; há duas variedades.

A primeira é a falácia Argumentum ad Hominemabusiva: consiste em rejeitar uma afirmação e justificar a recusa criticando a pessoa que fez a afirmação. Por exemplo:

“Você diz que os ateus podem ser morais, mas descobri que você abandonou sua mulher e filhos.”

Isso é uma falácia porque a veracidade de uma asserção não depende das virtudes da pessoa que a propugna. Uma versão mais sutil do Argumentum ad Hominen é rejeitar uma proposição baseando-se no fato de ela também ser defendida por pessoas de caráter muito questionável. Por exemplo:

“Por isso nós deveríamos fechar a igreja? Hitler e Stálin concordariam com você.”

A segunda forma é tentar persuadir alguém a aceitar uma afirmação utilizando como referência as circunstâncias particulares da pessoa. Por exemplo:

“É perfeitamente aceitável matar animais para usar como alimento. Esperto que você não contrarie o que eu disse, pois parece bastante feliz em vestir seus sapatos de couro.”

Esta falácia é conhecida como Argumenutm ad Hominem circunstancial e também pode ser usada como uma desculpa para rejeitar uma conclusão. Por exemplo:

“É claro que a seu ver discriminação racial é absurda. Você é negro”

Essa forma em particular do Argumenutm ad Hominem, no qual você alega que alguém está defendendo uma conclusão por motivos egoístas, também é conhecida como “envenenar o poço”.

Não é sempre inválido referir-se às circunstâncias de quem que faz uma afirmação. Um indivíduo certamente perde credibilidade como testemunha se tiver fama de mentiroso ou traidor; entretanto, isso não prova a falsidade de seu testemunho, nem altera a consistência de quaisquer de seus argumentos lógicos.

Argumentum ad Ignorantiam

Argumentum ad Ignorantiam significa “argumento da ignorância”. A falácia consiste em afirmar que algo é verdade simplesmente porque não provaram o contrário; ou, de modo equivalente, quando for dito que algo é falso porque não provaram sua veracidade.

(Nota: admitir que algo é falso até provarem o contrário não é a mesma coisa que afirmar. Nas leis, por exemplo, os indivíduos são considerados inocentes até que se prove o contrário.)

Abaixo estão dois exemplos:

“Obviamente a Bíblia é verdadeira. Ninguém pode provar o contrário.”

“Certamente a telepatia e os outros fenômenos psíquicos não existem. Ninguém jamais foi capaz de prová-los.”

Na investigação científica, sabe-se que um evento pode produzir certas evidências de sua ocorrência, e que a ausência dessas evidências pode ser validamente utilizada para inferir que o evento não ocorreu. No entanto, não prova com certeza.

Por exemplo:

“Para que ocorresse um dilúvio como o descrito pela Bíblia seria necessário um enorme volume de água. A Terra não possui nem um décimo da quantidade necessária, mesmo levando em conta a que está congelada nos pólos. Logo, o dilúvio não ocorreu.”

Certamente é possível que algum processo desconhecido tenha removido a água. A ciência, entretanto, exigiria teorias plausíveis e passíveis de experimentação para aceitar que o fato tenha ocorrido.

Infelizmente, a história da ciência é cheia de predições lógicas que se mostraram equivocadas. Em 1893, a Real Academia de Ciências da Inglaterra foi persuadida por Sir Robert Ball de que a comunicação com o planeta Marte era fisicamente impossível, pois necessitaria de uma antena do tamanho da Irlanda, e seria impossível fazê-la funcionar.

Veja também Mudando o Ônus da Prova.

Argumentum ad Lazarum

É a falácia de assumir que alguém pobre é mais íntegro ou virtuoso que alguém rico. Essa falácia é apõe-se à Argumentum ad Crumenam. Por exemplo:

“É mais provável que os monges descubram o significado da vida, pois abdicaram das distrações que o dinheiro possibilita.”

Argumentum ad Logicam

Essa é uma “falácia da falácia”. Consiste em argumentar que uma proposição é falsa porque foi apresentada como a conclusão de um argumento falacioso. Lembre-se que um argumento falacioso pode chegar a conclusões verdadeiras.

“Pegue a fração 16/64. Agora, cancelando-se o seis de cima e o seis debaixo, chegamos a 1/4.”

“Espere um segundo! Você não pode cancelar o seis!”

“Ah, então você quer dizer que 16/64 não é 1/4?”

Argumentum ad Misericordiam

É o apelo à piedade, também conhecida como Súplica Especial. A falácia é cometida quando alguém apela à compaixão a fim de que aceitem sua conclusão. Por exemplo:

“Eu não assassinei meus pais com um machado! Por favor, não me acuse; você não vê que já estou sofrendo o bastante por ter me tornado um órfão?”

Argumentum ad Nauseam

Consistem em crer, equivocadamente, que algo é tanto mais verdade, ou tem mais chances de ser, quanto mais for repetido. Um Argumentum ad Nauseamé aquele que afirma algo repetitivamente até a exaustão.

Argumentum ad Novitatem

Esse é o oposto do Argumentum ad Antiquitatem; é a falácia de afirmar que algo é melhor ou mais verdadeiro simplesmente porque é novo ou mais recente que alguma outra coisa.

“BeOS é, de longe, um sistema operacional superior ao OpenStep, pois possui um design muito mais atual.”

Argumentum ad Numerum

Falácia relacionada ao Argumentum ad Populum. Consiste em afirmar que quanto mais pessoas concordam ou acreditam numa certa proposição, mais provavelmente ela estará correta. Por exemplo:

“A grande maioria dos habitantes deste país acredita que a punição capital é bastante eficiente na diminuição dos delitos. Negar isso em face de tantas evidências é ridículo.”

“Milhares de pessoas acreditam nos poderes das pirâmides; ela deve ter algo de especial.”

Argumentum ad Populum

Também conhecida como apelo ao povo. Comete-se essa falácia ao tentar conquistar a aceitação de uma proposição apelando a um grande número de pessoas. Esse tipo de falácia é comumente caracterizado por uma linguagem emotiva. Por exemplo:

“A pornografia deve ser banida. É uma violência contra as mulheres.”

“Por milhares de anos pessoas têm acreditado na Bíblia e Jesus, e essa crença teve um enorme impacto sobre suas vida. De que outra evidência você precisa para se convencer de que Jesus é o filho de Deus? Você está dizendo que todas elas são apenas estúpidas pessoas enganadas?”

Argumentum ad Verecundiam

O Apelo à Autoridade usa a admiração a uma pessoa famosa para tentar sustentar uma afirmação. Por exemplo:

“Isaac Newton foi um gênio e acreditava em Deus.”

Esse tipo de argumento não é sempre inválido; por exemplo, pode ser relevante fazer referência a um indivíduo famoso de um campo específico. Por exemplo, podemos distinguir facilmente entre:

“Hawking concluiu que os buracos negros geram radiação.”

“Penrose conclui que é impossível construir um computador inteligente.”

Hawking é um físico, então é razoável admitir que suas opiniões sobre os buracos negros são fundamentadas. Penrose é um matemático, então sua qualificação para falar sobre o assunto é bastante questionável.

Audiatur et Altera Pars

Frequentemente pessoas argumentam partir de assunções omitidas. O princípio do Audiatur et Altera Pars diz que todas premissas de um argumento devem ser explicitadas. Estritamente, a omissão das premissas não é uma falácia; entretanto, é comumente vista como algo suspeito.

Bifurcação

Preto e Branco” é outro nome dado a essa falácia. A Bifurcação ocorre se alguém apresenta uma situação com apenas duas alternativas, quando na verdade existem ou podem existir outras. Por exemplo:

“Ou o homem foi criado, como diz a Bíblia, ou evoluiu casualmente de substâncias químicas inanimadas, como os cientistas dizem. Já que a segunda hipótese é incrivelmente improvável, então.”

Circulus in Demonstrando

Consiste em adotar como premissa uma conclusão à qual você está tentando chegar. Não raro, a proposição é reescrita para fazer com que tenha a aparência de um argumento válido. Por exemplo:

“Homossexuais não devem exercer cargos públicos. Ou seja, qualquer funcionário público que se revele um homossexual deve ser despedido. Por isso, eles farão qualquer coisa para esconder seu segredo, e assim ficarão totalmente sujeitos a chantagens. Consequentemente, não se deve permitir homossexuais em cargos públicos.”

Esse é um argumento completamente circular; a premissa e a conclusão são a mesma coisa. Um argumento como o acima foi realmente utilizado como um motivo para que todos os empregados homossexuais do Serviço Secreto Britânico fossem despedidos.

Infelizmente, argumentos circulares são surpreendentemente comuns. Após chegarmos a uma conclusão, é fácil que, acidentalmente, façamos asserções ao tentarmos explicar o raciocínio a alguém.

Questão Complexa / Falácia de Interrogação / Falácia da Pressuposição

É a forma interrogativa de pressupor uma resposta. Um exemplo clássico é a pergunta capciosa:

“Você parou de bater em sua esposa?”

A questão pressupõe uma resposta definida a outra questão que não chegou a ser feita. Esse truque é bastante usado por advogados durante o interrogatório, quando fazem perguntas do tipo:

“Onde você escondeu o dinheiro que roubou?”

Similarmente, políticos também usam perguntas capciosas como:

“Até quando será permitida a intromissão dos EUA em nossos assuntos?”

“O Chanceller planeja continuar essa privatização ruinosa por dois anos ou mais?”

Outra forma dessa falácia é pedir a explicação de algo falso ou que ainda não foi discutido.

Falácias de Composição

A Falácia de Composição é concluir que uma propriedade compartilhada por um número de elementos em particular, também é compartilhada por um conjunto desses elementos; ou que as propriedades de uma parte do objeto devem ser as mesmas nele inteiro. Exemplos:

“Essa bicicleta é feita inteiramente de componentes de baixa densidade, logo é muito leve.”

“Um carro utiliza menos petroquímicos e causa menos poluição que um ônibus. Logo, os carros causam menos dano ambiental que os ônibus.”

Acidente Invertido / Generalização Grosseira

Essa é o inverso da Falácia do Acidente. Ela ocorre quando se cria uma regra geral examinando apenas poucos casos específicos que não representam todos os possíveis casos. Por exemplo:

“Jim Bakker foi um Cristão pérfido; logo, todos os cristãos também são.”

Convertendo uma Condicional

A falácia é um argumento na forma “Se A então B, logo se B então A”.

“Se os padrões educacionais forem abaixados, a qualidade dos argumentos vistos na internet diminui. Então, se vermos o nível dos debates na internet piorar, saberemos que os padrões educacionais estão caindo.”

Essa falácia é similar à Afirmação do Consequente, mas escrita como uma afirmação condicional.

Cum Hoc Ergo Propter Hoc

Essa falácia é similar à Post Hoc Ergo Propter Hoc. Consiste em afirmar que devido a dois eventos terem ocorrido concomitantemente, eles possuem uma relação de causalidade. Isso é uma falácia porque ignora outro(s) fator(es) que pode(m) ser a(s) causa(s) do(s) evento(s).

“Os índices de analfabetismo têm aumentado constantemente desde o advento da televisão. Obviamente ela compromete o aprendizado”

Essa falácia é um caso especial da Non Causa Pro Causa.

Negação do Antecedente

Trata-se de um argumento na forma “A implica B, A é falso, logo B é falso”. A tabela com as Regras de Implicação explica por que isso é uma falácia.

(Nota: A Non Causa Pro Causa é diferente dessa falácia. A Negação do Antecedente possui a forma “A implica B, A é falso, logo B é falso”, onde A não implica B em absoluto. O problema não é que a implicação seja inválida, mas que a falsidade de A não nos permite deduzir qualquer coisa sobre B.)

“Se o Deus bíblico aparecesse para mim pessoalmente, isso certamente provaria que o cristianismo é verdade. Mas ele não o fez, ou seja, a Bíblia não passa de ficção.”

Esse é oposto da falácia Afirmação do Consequente.

Falácia do Acidente / Generalização Absoluta / Dicto Simpliciter

Uma Generalização Absoluta ocorre quando uma regra geral é aplicada a uma situação em particular, mas as características da situação tornam regra inaplicável. O erro ocorre quando se vai do geral do específico. Por exemplo:

“Cristãos não gostam de ateus. Você é um Cristão, logo não gosta de ateus.”

Essa falácia é muito comum entre pessoas que tentam decidir questões legais e morais aplicando regras gerais mecanicamente.

Falácia da Divisão

Oposta à Falácia de Composição, consiste em assumir que a propriedade de um elemento deve aplicar-se às suas partes; ou que uma propriedade de um conjunto de elementos é compartilhada por todos.

“Você estuda num colégio rico. Logo, você é rico.”

“Formigas podem destruir uma árvore. Logo, essa formiga também pode.”

Equivocação / Falácia de Quatro Termos

A Equivocação ocorre quando uma palavra-chave é utilizada com dois um ou mais significados no mesmo argumento. Por exemplo:

“João é destro jogando futebol. Logo, também deve ser destro em outros esportes, apesar de ser canhoto.”

Uma forma de evitar essa falácia é escolher cuidadosamente a terminologia antes de formular o argumento, isso evita que palavras como “destro” possam ter vários significados (como “que usa preferencialmente a mão direita” ou “hábil, rápido”).

Analogia Estendida

A falácia da Analogia Estendida ocorre, geralmente, quando alguma regra geral está sendo discutida. Um caso típico é assumir que a menção de duas situações diferentes, num argumento sobre uma regra geral, significa que tais afirmações são análogas.

A seguir está um exemplo retirado de um debate sobre a legislação anticriptográfica.

“Eu acredito que é errado opor-se à lei violando-a.”

“Essa posição é execrável: implica que você não apoiaria Martin Luther King.”

“Você está dizendo que a legislação sobre criptografia é tão importante quando a luta pela igualdade dos homens? Como ousa!”

Ignorantio Elenchi / Conclusão Irrelevante

A Ignorantio Elenchi consiste em afirmar que um argumento suporta uma conclusão em particular, quando na verdade não possuem qualquer relação lógica.

Por exemplo, um Cristão pode começar alegando que os ensinamentos do Cristianismo são indubitavelmente verdadeiros. Se após isso ele tentar justificar suas afirmações dizendo que tais ensinamentos são muito benéficos às pessoas que os seguem, não importa quão eloquente ou coerente seja sua argumentação, ela nunca vai provar a veracidade desses escritos.

Lamentavelmente, esse tipo de argumentação é quase sempre bem-sucedido, pois faz as pessoas enxergarem a suposta conclusão numa perspectiva mais benevolente.

Falácia da Lei Natural / Apelo à Natureza

O Apelo à Natureza é uma falácia comum em argumentos políticos. Uma versão consiste em estabelecer uma analogia entre uma conclusão em particular e algum aspecto do mundo natural, e então afirmar que tal conclusão é inevitável porque o mundo natural é similar:

“O mundo natural é caracterizado pela competição; animais lutam uns contra os outros pela posse de recursos naturais limitados. O capitalismo – luta pela posse de capital – é simplesmente um aspecto inevitável da natureza humana. É como o mundo funciona.”

Outra forma de Apelo à Natureza é argumentar que devido ao homem ser produto da natureza, deve se comportar como se ainda estivesse nela, pois do contrário estaria indo contra sua própria essência.

“Claro que o homossexualismo é inatural. Qual foi a última vez em que você viu animais do mesmo sexo copulando?”

Falácia “Nenhum Escocês de Verdade.”

Suponha que eu afirme “Nenhum escocês coloca açúcar em seu mingau”. Você contra-argumenta dizendo que seu amigo Angus gosta de açúcar no mingau. Então eu digo “Ah, sim, mas nenhum escocês de verdade coloca”.

Esse é o exemplo de uma mudança Ad Hoc sendo feita para defender uma afirmação, combinada com uma tentativa de mudar o significado original das palavras; essa pode ser chamada uma combinação de falácias.

Non Causa Pro Causa

A falácia Non Causa Pro Causa ocorre quando algo é tomado como causa de um evento, mas sem que a relação causal seja demonstrada. Por exemplo:

“Eu tomei uma aspirina e rezei para que Deus a fizesse funcionar; então minha dor de cabeça desapareceu. Certamente Deus foi quem a curou.”

Essa é conhecida como a falácia da Causalidade Fictícia. Duas variações da Non Causa Pro Causa são as falácias Cum Hoc Ergo Propter Hoc e Post Hoc Ergo Propter Hoc.

Non Sequitur

Non Sequitur é um argumento onde a conclusão deriva das premissas sem qualquer conexão lógica. Por exemplo:

“Já que os egípcios fizeram muitas escavações durante a construção das pirâmides, então certamente eram peritos em paleontologia.”

Pretitio Principii / Implorando a Pergunta

Ocorre quando as premissas são pelo menos tão questionáveis quanto as conclusões atingidas. Por exemplo:

“A Bíblia é a palavra de Deus. A palavra de Deus não pode ser questionada; a Bíblia diz que ela mesma é verdadeira. Logo, sua veracidade é uma certeza absoluta.”

Pretitio Principii é similar ao Circulus in Demonstrando, onde a conclusão é a própria premissa.

Plurium Interrogationum / Muitas Questões

Essa falácia ocorre quando alguém exige uma resposta simplista a uma questão complexa.

“Altos impostos impedem os negócios ou não? Sim ou não?”

Post Hoc Ergo Proter Hoc

A falácia Post Hoc Ergo Propter Hoc ocorre quando algo é admitido como causa de um evento meramente porque o antecedeu. Por exemplo:

“A União Soviética entrou em colapso após a instituição do ateísmo estatal; logo, o ateísmo deve ser evitado.”

Essa é outra versão da Falácia da Causalidade Fictícia.

Falácia “Olha o Avião”

Comete-se essa falácia quando alguém introduz material irrelevante à questão sendo discutida, fugindo do assunto e comprometendo a objetividade da conclusão.

“Você pode até dizer que a pena de morte é ineficiente no combate à criminalidade, mas e as vítimas? Como você acha que os pais se sentirão quando virem o assassino de seu filho vivendo às custas dos impostos que eles pagam? É justo que paguem pela comida do assassino de seu filho?”

Reificação

A Reificação ocorre quando um conceito abstrato é tratado como algo concreto.

“Você descreveu aquela pessoa como ‘maldosa’. Mas onde fica essa ‘maldade’? Dentro do cérebro? Cadê? Você não pode nem demonstrar o que diz, suas afirmações são infundadas.”

Mudando o Ônus da Prova

O ônus da prova sempre cabe à pessoa que afirma. Análoga ao Argumentum ad Ignorantiam, é a falácia de colocar o ônus da prova no indivíduo que nega ou questiona uma afirmação. O erro, obviamente, consiste em admitir que algo é verdade até que provem o contrário.

“Dizer que os alienígenas não estão controlando o mundo é fácil. eu quero que você prove.”

Declive Escorregadio

Consiste em dizer que a ocorrência de um evento acarretará consequências daninhas, mas sem apresentar provas para sustentar tal afirmação. Por exemplo:

“Se legalizarmos a maconha, então mais pessoas começarão a usar crack e heroína, e teríamos de legaliza-las também. Não levará muito tempo até que este país se transforme numa nação de viciados. Logo, não se deve legalizar a maconha.”

Espantalho

A falácia do Espantalho consiste em distorcer a posição de alguém para que possa ser atacada mais facilmente. O erro está no fato dela não lidar com os verdadeiros argumentos.

“Para ser ateu você precisa crer piamente na inexistência de Deus. Para convencer-se disso, é preciso vasculhar todo o Universo e todos os lugares onde Deus poderia estar. Já que obviamente você não fez isso, sua posição é indefensável.”

Uma vez por semana aparece alguém com esse argumento na Internet. Quem não consegue entender qual é a falha lógica deve ler a Introdução ao Ateísmo.

Tu Quoque

Essa é a famosa falácia “você também”. Ocorre quando se argumenta que uma ação é aceitável apenas porque seu oponente a fez. Por exemplo:

“Você está sendo agressivo em suas afirmações.”

“E daí? Você também.”

Isso é um ataque pessoal, sendo uma variante do caso Argumentum ad Hominem.

Falácia do Meio Não-distribuído / Falácia “A baseia-se em B” ou “.é um tipo de.”

É uma falha lógica que ocorre quando se tenta argumentar que certas coisas são, em algum aspecto, similares, mas não se consegue especificar qual. Exemplos:

“A história não se baseia na fé? Então a Bíblia também não poderia ser vista como história?”

“O islamismo baseia-se na fé, o cristianismo também. Então o islamismo não é uma forma de cristianismo?”

“Gatos são animais formados de compostos orgânicos; cachorros também. Então os cachorros não são apenas um tipo de gato?”

Nota 1

Jesus: Senhor, Mentiroso ou Lunático?

“Jesus existiu? Se não, então não há o que discutir. Mas se existiu, e se autodenominava ‘Senhor’, isso significa que: ele era o Senhor, um mentiroso, ou um lunático. É improvável que ele tenha sido um mentiroso, dado o código moral descrito na Bíblia; seu comportamento também não era o de um lunático; então certamente conclui-se que ele era o Senhor.”

Primeiramente, esse argumento admite tacitamente que Jesus existiu de fato. O que é, no mínimo, algo questionável. Ele possui uma falácia lógica que poderemos chamar “Trifurcação“, por analogia com a Bifurcação. É uma tentativa de restringir a três as possibilidades que, na verdade, são muitas mais.

Duas outras hipóteses:

– A Bíblia apresenta as palavras de Jesus de modo distorcido, pois ele nunca alegou ser o “Senhor”.

– As histórias sobre ele foram inventadas ou então misturadas com fantasia pelos primeiros cristãos.

Note que no Novo Testamento Jesus não diz ser Deus, apesar de em João 10:30 ele ter dito “Eu e meu pai somos um”. A alegação de que Jesus era Deus foi feita após sua morte pelos seus doze apóstolos.

Finalmente, a possibilidade de ele ter sido um “lunático” não é tão pequena. Mesmo hoje em dia há várias pessoas que conseguem convencer multidões de que são “o Senhor” ou “o verdadeiro profeta”. Em países mais supersticiosos, há literalmente centenas de supostos “messias”.

Nota 2

Einstein e “Deus não joga dados”

“Albert Einstein acreditava em Deus. Você se acha mais inteligente que ele?”

Einstein uma vez disse que “Deus não joga dados (com o Universo)”. Essa citação é comumente mencionada para mostrar que Einstein acreditava no Deus cristão. Mas nesse caso ela está fora de contexto, pois dizendo isso ele pretendia apenas recusar alguns aspectos mais populares da teoria quântica. Ademais, a religião de Einstein era o judaísmo, não o cristianismo.

Talvez essas citações de sua autoria possam deixar a ideia mais clara:

“Eu acredito no Deus de Spinoza que se revela através da harmonia do existente, não num Deus que se preocupa com o destino e vida dos seres humanos.”

“O que você leu sobre minas convicções religiosas é uma mentira, uma mentira que está sendo sistematicamente repetida. Eu não acredito em um Deus pessoal e nunca neguei isso, mas o afirmei claramente. Se há algo em mim que pode ser chamado religião, é a minha ilimitada admiração pela estrutura do mundo.”

“Eu não acredito na imortalidade do indivíduo, e considero a moral como algo que diz respeito somente aos homens, sem qualquer relação com uma autoridade supra-humana.”

Carta sobre a felicidade – Epicuro

(a Meneceu)

Epicuro envia suas saudações a Meneceu

Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la.

Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz.

Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bem-aventurado, como sugere a percepção comum de divindade, não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade, nem inadequado com a sua imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de conservar-lhe felicidade e imortalidade.

Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles.

Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.

Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.

Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada pra nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males, ora a deseja como descanso dos males da vida.

O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal.

Assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.

Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem não passa de um tolo, não só pelo que a vida tem de agradável para ambos, mas também porque se deve ter exatamente o mesmo cuidado em honestamente viver e em honestamente morrer. Mas pior ainda é aquele que diz: bom seria não ter nascido, mas, uma vez nascido, transpor o mais depressa possível as portas do Hades.

Se ele diz isso com plena convicção, por que não se vai desta vida? Pois é livre para fazê-lo, se for esse realmente seu desejo; mas se o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de coisas que brincadeira não admitem.

Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.

Consideremos também que, dentre os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os necessários, há alguns que são fundamentais para a felicidade, outros, para o bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos da dor e do medo.

Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo não tendo que ir em busca de algo que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo, estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se faz sentir.

É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor.

Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advém efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem.

Consideramos ainda a autossuficiência um grande bem; não que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a abundância os que menos dependem dela; tudo o que é fácil de conseguir; difícil é tudo o que é inútil.

Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita.

Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveita-la, e nos prepara para enfrentar sem temos as vicissitudes da sorte.

Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência, beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza e justiça sem felicidade. Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas.

Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do que o sábio, que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves? Que nega o destino, apresentado por alguns como o senhor de tudo, já que as coisas acontecem ou por necessidade, ou por acaso, ou por vontade nossa; e que a necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre, razão pela qual nos acompanham a censura e o louvor?

Mais vale aceitar o mito dos deuses, do que ser escravo do destino dos naturalistas: o mito pelo menos nos oferece a esperança do perdão dos deuses através das homenagens que lhes prestamos, ao passo que o destino é uma necessidade inexorável.

Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a maioria das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem algo incerto, o sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem ou nenhum mal que sejam fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode surgir o início de grandes bens e de grandes males. A seu ver, é preferível ser desafortunado e sábio, a ser afortunado e tolo; na prática, é melhor que um bom projeto não chegue a bom termo, do que chegue a ter êxito um projeto mau.

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